Quem sou eu

Minha foto
cariacica, Espírito Santo, Brazil
Aprendiz de Teologia e Filosofia

sábado, 26 de novembro de 2011

TEÍSMO ABERTO (Franklin Ferreira)

Durante mais ou menos dois mil anos a igreja cristã, em todas as suas vertentes, confessou unanimemente crer em Deus-Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra. Essa sempre foi (e é) uma questão básica e inegociável para a igreja. Não havia dificuldade alguma em crer que há um único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo e que esse Deus é todo poderoso e criador do céu e da terra. Trata-se, portanto, de uma questão básica para a igreja. Os pais da igreja confirmaram isso e sempre enfatizaram a presciência divina. Dessa forma, todos antigos escritores cristãos afirmaram esse ponto.
Porém, em meados dos anos 1980, um teólogo canadense chamado Clark Pinnock, começou a publicar alguns textos questionando a presciência divina também afirmando a autonomia da vontade em relação a Deus.
Mais recentemente, na metade do século XX, arminianos radicais, como o já citado Clark Pinnock, Richard Rice, Greg Boyd, John Sanders e David Basinger, reconheceram que se Deus prevê algo, então este forçosamente vai acontecer – em outras palavras, a presciência de Deus também é uma limitação do livre-arbítrio e, por isso, eles negaram que Deus conheça o futuro. Deus só conhece as possibilidades futuras. Nessa altura devemos fazer uma pergunta provocadora: quem criou o que Deus prevê? – se a resposta a esta pergunta for eco do ensino bíblico, só se pode concluir que Deus determinou aquilo que ele quer que aconteça, já que ele é o criador de todas as coisas. Mas, para tais autores, não havia como crer numa autonomia do ser humano mantendo a crença tradicional da onisciência divina. Dessa forma, esses escritores reinterpretaram os atributos de potência e onisciência em Deus. Segundo eles, Deus ao criar o ser humano, o criou livre dos seus atributos de poder e onisciência.
Assim, o chamado teísmo do livre-arbítrio (ou teísmo aberto) é um modelo novo, uma tentativa de encontrar uma posição mediana entre o teísmo clássico e a teologia do processo.2
O teísmo aberto pode ser resumido em quatro proposições:
1. O conhecimento que Deus tem de todas as coisas não é estabelecido na eternidade;
2. Sua presciência não é exaustiva, porque ele se auto-limita;
3. Seu relacionamento providencial com o mundo não é meticuloso;
4. O futuro não está totalmente seguro.
Estes escritores costumam dar mais fundamentação bíblica para as suas afirmações do que outros movimentos costumeiramente fazem. Todavia, no seu próprio interesse, eles dizem que a linguagem bíblica não é simplesmente fenomenológica ou antropológica, mas literal. Tomando literalmente muitos textos, eles formulam a abertura de sua teologia no que respeita a Deus.3
Numa série de livros, Clark Pinnock e John Sanders têm promovido uma visão de um Deus finito e limitado em seu poder e conhecimento. Eles afirmam que se o homem tem livre-arbítrio de verdade, então Deus não pode ordenar nem conhecer os eventos que irão acontecer no futuro. O futuro está em aberto, no sentido de ser tanto criação do homem como de Deus.4 Como Pinnock escreve:
A ideia da responsabilidade moral exige que acreditemos que as ações não são determinadas, nem interna nem externamente. Uma importante implicação desta forte definição de livre-arbítrio é que a realidade permanece, em certa extensão, aberta, e não fechada. Isto significa que uma novidade genuína pode aparecer na história, que não pode ser prevista por ninguém, nem mesmo por Deus. (...) Tal conceito implica em que o futuro realmente está em aberto, e não disponível à exaustiva presciência nem mesmo da parte de Deus. Fica bem claro que a doutrina bíblica do livre-arbítrio humano exige de nós que reconsideremos a perspectiva convencional da onisciência de Deus.5

Em outras palavras, o que se infere é que quase que a totalidade da tradição cristã, incluindo aí o arminianismo clássico, desde o primeiro século até agora, tem afirmado uma noção equivocada quanto à natureza de Deus – mas, felizmente, no fim do século XX, Pinnock, Sanders e outros conseguiram finalmente entender a verdade! Essa postura soa arrogante quando se observa que a Escritura é clara ao refutar tal ensino. Uma rápida checada nas Escrituras mostra que um dos fatores que distingue o Deus verdadeiro de Israel dos falsos deuses é precisamente o fato de que Deus conhece o futuro absolutamente e, assim, é capaz de predizer o que acontecerá com certeza (Is 46.10). Os planos de Deus não são frustrados (Sl 33.10-11), porque ele faz tudo segundo o conselho da sua vontade (Ef 1.11).
A fim de facilitar nossa compreensão, segue abaixo uma comparação entre a visão “aberta” e a visão reformada tradicional.
Os problemas do teísmo aberto são muitos. Roger Nicole, numa resenha que escreveu sobre um dos principais textos deste movimento, The Openness of God, levanta vários problemas e perguntas a respeito do teísmo aberto.
Primeiro, ele nota que o teísmo aberto não é consistente com a existência de profecias detalhadas nas Escrituras. “Como Deus poderia saber que Judas trairia Jesus por 30 moedas de prata, quando o pagamento e aceitação de tal soma dependiam de decisões imprevisíveis dos principais sacerdotes e de Judas?” De fato, uma profecia, como a crucificação de Jesus, não apenas exige que Deus conheça o que acontecerá no futuro, mas que ele também tenha controle soberano sobre cada decisão livre de todos os agentes que participaram nos eventos, como de Pôncio Pilatos e dos soldados que lançaram sortes sobre a túnica de Jesus. Mas, como Nicole afirma, se Deus nem soubesse com certeza que Adão cairia em pecado, certamente ele não poderia “prever a morte de Cristo antes da fundação do mundo” (1Pe 1.20; Ap 13.8; 17.8). A visão de Pinnock e Sanders, segundo Nicole, faz com que Simeão tivesse mais conhecimento do que Deus (Lc 2.35).
Roger Nicole também está correto ao indicar a futilidade da oração, se o teísmo aberto fosse verdadeiro. “O que dá direito aos autores [do The Openness of God] a aconselharem Deus em suas orações? O que eles sabem que Deus não sabe?” E por que perder tempo pedindo que Deus intervenha para salvar os pecadores? Já que Deus não interfere com o livre-arbítrio das pessoas, ele não poderá fazer nada para influenciar a pessoa para se tornar uma cristã. Sem conhecer o futuro, Deus nem pode saber como as pessoas reagiriam a qualquer influência colocada em seu caminho. Deus estaria completamente desamparado diante da autonomia do pecador.
Concordamos com a avaliação de Nicole. O caminho para aqueles que têm abraçado o teísmo aberto parece ser o completo abandono da fé cristã histórica. Uma por uma, as outras doutrinas centrais da fé cristã serão abandonadas, ou por estes autores, ou por seus discípulos, exatamente como já aconteceu no passado. O caminho para o liberalismo e, depois, para o naturalismo, começa com a doutrina da autonomia do homem. A conclusão dele está correta:
Não é muito difícil prever para onde estas pessoas se moverão, se elas seguirem a lógica de sua própria posição. Eles brevemente abandonarão a doutrina cristã do pecado original, porque ela será vista como incompatível com o livre-arbítrio de todo ser humano que entra neste mundo (conforme Pelágio). O passo lógico seguinte é renunciar a expiação substitutiva penal, como tem frequentemente acontecido no liberalismo e até mesmo no arminianismo. Quando a expiação se vai, não há nenhuma grande necessidade de se manter a deidade de Cristo, e quando isto se vai, geralmente se descarta a doutrina da Trindade. Então, a pessoa estará em pé de igualdade com o socinismo, que é o último passo antes da total negação do cristianismo. Na outra direção, a sedução da teologia do processo, que os presentes autores são ávidos em repelir, indubitavelmente exercerá algum poder sobre suas mentes. Quando alguém lê este livro, tem a impressão de que muitas vezes algumas páginas foram escritas por John Hick.6
Para concluir, precisamos notar que alguns dos defensores do teísmo aberto têm afirmado que este seria uma recuperação da cosmovisão judaica, afastando a fé cristã das influências da filosofia grega. Mas é necessário perguntar: que cosmovisão judaica? Ao se estudar a literatura judaica antiga, o que fica evidente, por um lado, é o desprezo destes pela cultura helênica e, por outro lado, a ênfase na onipotência absoluta de Deus. Basta um pouco de familiaridade com alguns dos textos de Efraim Urbach, Akiba, Tanchuma bar Abba, Hanima, Joshua ben Hananiah, entre outros, para perceber esta diferença. A ideia básica do antigo judaísmo é que Deus dirige todos os atos dos homens rumo ao fim que ele mesmo estabeleceu. E é nesse ponto que o judaísmo antigo foi mais acentuadamente contrastado com o paganismo. No fim se descobre que não existe nada novo nas atuais posições dos defensores do teísmo aberto que não tenha sido ensinado no passado, por Heráclito, por exemplo, ou, na atualidade, pelos adeptos da teologia do processo.7
_______________________________________
1Resumido e adaptado de Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia Sistemática (São Paulo: Vida Nova, 2007), p. 308-310, 337-341.
2Heber Carlos de Campos, “O teísmo aberto: um ensaio introdutório”, em Fides Reformata, v. 9, n. 2, p. 34: “O Teísmo Aberto tem afinidade com o arminianismo de um lado e com o Teísmo da Teologia do Processo, de outro. À semelhança do arminianismo, o Teísmo Aberto crê que o conhecimento de Deus é dependente das escolhas humanas, mas, em contraste com o arminianismo, o Teísmo Aberto rejeita a ideia de que Deus tenha um conhecimento exaustivo das coisas. O arminianismo clássico nunca sustentou essa visão do futuro aberto”.
3Heber Carlos de Campos, “O teísmo aberto: um ensaio introdutório”, p. 38.
4Cf. Clark Pinnock (ed.), The openness of God e John Sanders, The God who Risks; a theology of providence.
5Clark Pinnock, “Deus Limita Seu Conhecimento”, em David Basinger e Randall Basinger (ed.), Predestinação e livre-arbítrio, p. 182-183.
6Roger Nicole, resenha do livro Clark Pinnock (ed.), The openness of God; a Biblical challenge to the traditional understanding of God, disponível em: http://www.monergismo.com/textos/presciencia/open.htm, acessado em 10.12.2005.
7Cf. especialmente Russell Fuller, “Os rabinos e as declarações dos defensores do teísmo aberto”, em John Piper, Justin Taylor e Paul Helseth, Teísmo aberto; uma teologia além dos limites bíblicos, p. 27-49.http://www.vidanova.com.br/teologiadet.asp?codigo=198

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Este sermão não é para vocês ...


 
Irmãos e irmãs.

Hoje não lemos apenas os 12 primeiros versículos de Mateus, conforme prescreve o lecionário, mas outras partes do capítulo 23 que são omitidas no Lecionário. Porém, tenham paciência, porque este sermão de Jesus não é para vocês. Este sermão é para outros. Este sermão é para seus líderes.

Este sermão de Jesus é para mim e para todos os meus colegas e minhas colegas de ministério. Este sermão de Jesus é para os bispos e as bispas da Comunhão Anglicana, do Brasil ou do exterior. Este sermão é para o Arcebispo de Cantuária e os bispos “lordes” da Inglaterra. Este sermão é para todos os pastores e pastoras das igrejas evangélicas. Este sermão é para todos os clérigos católicos romanos e para o Papa. Esse sermão de Jesus é para nós que ousamos liderar a Igreja de Deus, que somos chamados, ordenados diáconos ou diaconisas, presbíteros e presbíteras ou sagrados bispos.

Poucas vezes ouvimos a totalidade do sermão de Jesus em Mateus 23, talvez porque sejam as palavras mais duras pronunciadas por Cristo.

Vocês estão acostumados a ouvir sermões falando sobre seus erros e imperfeições ou sermões que ensinam como vocês devem se comportar; ou ainda sermões que ensinam que vocês devem ser mais pacientes, solidários, comprometidos, não falar mal do próximo, etc.

Alguns de voes certamente já ouviram sermões lhes chamando de pecadores e pecadoras e dizendo que vocês precisam se converter para não irem para o inferno. Vocês ouvem todos os domingos esses sermões proferidos por nossos lábios. Vocês ouvem esses sermões gritados entusiasticamente nas rádios ou televisões.

Mas, quem prega e ensina a seus líderes? Quem prega aos pastores, padres e bispos? Quem prega aos líderes religiosos? Quem ousa destrinchar as entranhas e sepulcros das lideranças religiosas?

Jesus ousa! Jesus, o Filho de Deus, não teme as lideranças religiosas.

Por isso este sermão não é para vocês. Este sermão é para seus líderes.

Jesus fala, em princípio, aos líderes religiosos do seu tempo – “fariseus e saduceus, mestres da lei e escribas”. Mas usar o texto para explicar detalhes da religião judaica seria perda de tempo e do potencial de atualização do texto para hoje. Na verdade, seria uma tentativa de contornar e evitar aquilo que o texto nos diz hoje. O texto está registrado nas escrituras sagradas porque é Palavra de Deus para nós, líderes, que todos os domingos temos a petulância de subir em um púlpito, abrir a Bíblia e falar mal da vida das pessoas.

Este sermão de Jesus é para os que não praticam o que pregam; é para nós que somos hipócritas, que lhes ensinamos o que fazer, mas muitas vezes não fazemos o que ensinamos.

Este sermão é para nós que lhes exortamos a orar, mas não oramos tanto quanto deveríamos; este sermão de Jesus é para nós que lhes chamamos a contribuir financeiramente, mas não contribuímos tanto quanto poderíamos;
Este sermão é para os que não praticam o que pregam, e diante desse sermão de Jesus, só podemos dizer: Kyrie Eleison... Senhor, tem piedade de nós...

Este sermão de Jesus é para nós que colocamos fardos na vida das pessoas, mas nós mesmos não os carregamos.
Este sermão de Jesus é para nós, líderes, que somos vaidosos e egocêntricos e que gostamos de ser vistos pelos homens (v.5);
Este sermão é para os que se orgulham de dizer quanto custou sua estola ou sua batina ou de descrever, diante de uma congregação empobrecida, em que loja de Londres ou de Nova York ela foi adquirida;
Este sermão é para nós que fazemos questão de que nos chamem de reverendos ou reverendas por todos. Por isso, Kyrie Eleison...Senhor, tem piedade nós...

Este sermão de Jesus é para nós que nos preocupamos com as coisas externas;
Este sermão é para nós que disputamos à tapa cargos religiosos ou indicações para viagens ao exterior.
Este sermão é para nós que nos cegamos com a instituição e impedimos à pessoas o acesso ao Reino de Deus porque ficamos na porta discutindo doutrinas, rubricas do LOC ou política eclesiástica. Kyrie Eleison... Senhor, tem piedade de nós...

Este sermão de Jesus é para nós que fazemos longas orações, que conduzimos o culto lendo o LOC como se fosse uma ata e ainda exigimos que as viúvas e os pobres se comportem de acordo com nossas regras morais.
Kyrie Eleison, Senhor, tem piedade de nós...

Este sermão de Jesus é para nós que quando falamos em missão, contabilizamos o número de “almas” e tornamos a vida das pessoas “convertidas” pior ao que era antes. Kyrie Eleison... Senhor, tem piedade de nós...

Este sermão de Jesus é para nós, teólogos, canonistas e liturgistas que desprezamos “os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a humildade”.

Este sermão de Jesus é para nós, especialistas em moral, que limpamos o exterior do copo, mas permitimos que a sujeira, a cobiça e a ganância contaminem o interior; Kyrie Eleison... Senhor, tem piedade de nós...

Este sermão de Jesus é para nós, que coamos mosquitos e engolimos camelos, ou seja, que fazemos vistas grossas a desvios do dinheiro do altar, à má administração dos recursos da Igreja, ao abuso do poder eclesiástico e que são grandes camelos que deixamos passar porque também nos carregam;
Mas este sermão também é para nós que capturamos rapidamente qualquer deslize no temperamento ou na moral de uma ovelha sem poder financeiro ou influência política no rebanho de Cristo;
Este sermão é para nós, sepulcros caiados, bonitos por fora, mas cheios de ossos secos por dentro; Senhor, tem piedade de nós...

Portanto, pequeno rebanho de Jesus, alegrem-se e tranqüilizem-se, porque o evangelho de Jesus não foi proclamado hoje para acusar suas possíveis imperfeições ou para dizer que vocês precisam melhorar na vida cristã. A palavra de Jesus foi dirigida a nós que usamos vestes religiosas, que temos títulos eclesiásticos e que administramos a preciosa oferta que vocês depositam no altar do Senhor e que ainda ousamos dizer que vocês não são tão bons cristãos e cristãs como nós.

Por isso, diante de tão duras palavras de Jesus, nada temos a dizer a vocês, além de pedir que nos perdoem por nossa hipocrisia e arrogância, que rezem por nós para que sejamos dignos de ministrar-lhes as palavras do Evangelho e consagrar a vocês o precioso corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo.

Kyrie Eleison... Senhor, tem piedade de nós!


Rev. Carlos Eduardo B. Calvani


Com certeza este é o sermão que mais me falou neste mês! Para não dizer que: "esse não foi p/ mim!" - Foi sim